segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Nossa justiça é como trapos de imundícia...

Famílias que perderam tudo velam ruínas

do enviado da Folha de S.Paulo à faixa de Gaza

O homem de mais de 60 anos que veste paletó surrado sobre uma túnica cinza caminha com o auxílio de uma bengala pelos destroços do que foi sua casa, na fazenda da família, uma das mais ricas de Gaza. A roupa foi o que restou a Abed Rabu Lida dos bombardeios que destruíram completamente as quatro fábricas de material de construção e seis casarões da família --construídos no mesmo terreno, conforme a tradição local.

As moscas e o cheiro dos cadáveres das ovelhas destroçadas expostas ao sol tomam conta do cenário, composto pelas ruínas da luxuosa casa de quatro andares com elevador e os escombros do terreno de 100 mil metros quadrados --enorme para a faixa de Gaza. É quase impossível reconhecer a fazenda. As árvores foram arrancadas pelas raízes e estão tombadas no chão, sem vida, na terra seca revirada que assumiu o lugar do gramado. Num raio de 500 metros, não há nada verde.

Khalil Hamra/AP
Palestinas caminham em corredor de escola destruída durante ofensiva na faixa de Gaza
Palestinas caminham em corredor de escola destruída durante ofensiva na faixa de Gaza

Em uma prédio de quatro andares perto dali, as 23 pessoas de três diferentes famílias sucumbiram a um ataque aéreo que fez desmoronar o edifício. Eram seis adultos e 17 crianças, conta Abdala El Rahi, 13, que perdeu três amigos vizinhos. O irmão de Ahmed Abu Halima não teve a mesma sorte. Luai, 17, foi morto dentro de casa a tiros por soldados israelenses, diz Ahmed.

Em alguns bairros de Gaza, a destruição é total. Dezenas de casas de concreto viraram ruínas como as da família Rabu Lida. Crianças e adultos se ocupam de começar a remover as ruínas, quando ainda resta algo. Em muitos bairros quase todas as casas têm disparos de metralhadora ou buracos de tiros de canhão na parede.

Às 10h30 de ontem, o professor de inglês Shawqi Ramal Salem estava sentado em uma cadeira de plástico em frente a sua casa, no bairro de classe média de Twam. Convidou o repórter para tomar chá. Os buracos na parede são de dois metros de diâmetro. A estrutura, com enormes rachaduras nas paredes, está definitivamente comprometida. "Imagine se estivéssemos aqui." Tudo está chamuscado.

"Trabalhei 30 anos para construir a casa. Estou parado, ainda em choque. Minha geladeira custou US$ 2.000. Mas isso não é nada. Não podemos desistir. Alá deu, dará mais", diz.

Como muitos palestinos, o homem de 57 anos e quatro filhos passa o dia velando a casa e divide a família entre residências de parentes, desde o início da trégua, dia 18. No quarto menos afetado, no primeiro andar, fica o retrato do sobrinho de 23 anos. "É um mártir, morreu há seis anos", explica.

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