Famílias que perderam tudo velam ruínas
do enviado da Folha de S.Paulo à faixa de Gaza
O homem de mais de 60 anos que veste paletó surrado sobre uma túnica cinza caminha com o auxílio de uma bengala pelos destroços do que foi sua casa, na fazenda da família, uma das mais ricas de Gaza. A roupa foi o que restou a Abed Rabu Lida dos bombardeios que destruíram completamente as quatro fábricas de material de construção e seis casarões da família --construídos no mesmo terreno, conforme a tradição local.
As moscas e o cheiro dos cadáveres das ovelhas destroçadas expostas ao sol tomam conta do cenário, composto pelas ruínas da luxuosa casa de quatro andares com elevador e os escombros do terreno de 100 mil metros quadrados --enorme para a faixa de Gaza. É quase impossível reconhecer a fazenda. As árvores foram arrancadas pelas raízes e estão tombadas no chão, sem vida, na terra seca revirada que assumiu o lugar do gramado. Num raio de 500 metros, não há nada verde.
Khalil Hamra/AP |
Palestinas caminham em corredor de escola destruída durante ofensiva na faixa de Gaza |
Em uma prédio de quatro andares perto dali, as 23 pessoas de três diferentes famílias sucumbiram a um ataque aéreo que fez desmoronar o edifício. Eram seis adultos e 17 crianças, conta Abdala El Rahi, 13, que perdeu três amigos vizinhos. O irmão de Ahmed Abu Halima não teve a mesma sorte. Luai, 17, foi morto dentro de casa a tiros por soldados israelenses, diz Ahmed.
Em alguns bairros de Gaza, a destruição é total. Dezenas de casas de concreto viraram ruínas como as da família Rabu Lida. Crianças e adultos se ocupam de começar a remover as ruínas, quando ainda resta algo. Em muitos bairros quase todas as casas têm disparos de metralhadora ou buracos de tiros de canhão na parede.
Às 10h30 de ontem, o professor de inglês Shawqi Ramal Salem estava sentado em uma cadeira de plástico em frente a sua casa, no bairro de classe média de Twam. Convidou o repórter para tomar chá. Os buracos na parede são de dois metros de diâmetro. A estrutura, com enormes rachaduras nas paredes, está definitivamente comprometida. "Imagine se estivéssemos aqui." Tudo está chamuscado.
"Trabalhei 30 anos para construir a casa. Estou parado, ainda em choque. Minha geladeira custou US$ 2.000. Mas isso não é nada. Não podemos desistir. Alá deu, dará mais", diz.
Como muitos palestinos, o homem de 57 anos e quatro filhos passa o dia velando a casa e divide a família entre residências de parentes, desde o início da trégua, dia 18. No quarto menos afetado, no primeiro andar, fica o retrato do sobrinho de 23 anos. "É um mártir, morreu há seis anos", explica.
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