sexta-feira, 25 de julho de 2008

Algo que deve ser visto: sobre o absurdo das guerras.

Qualquer povo que entra em uma guerra corre o risco de ver seus soldados (que não passam de homens, mas muitos ficam aquém: agem como animais) se comportarem de maneiras que farão o conceito do país cair.

Os filmes abaixo ("Pecados de Guerra" e "Redacted") merecem ser vistos. Para que, os que não tem consciência do que é a guerra, acordem...

Diário trágico
Por Carlos Helí de Almeida, para o Valor, de Veneza
25/07/2008

AP
Brian De Palma: O filme deixa o espectador consciente de que está assistindo a uma dramatização da realidade, mas também sugere que as pessoas vão acabar acreditando no que vêem
Dezoito anos atrás, "Pecados de Guerra" chegou aos cinemas como uma proposta de reflexão sobre as atrocidades cometidas durante a longa campanha americana no Vietnã (1959-1975). Nas palavras do diretor Brian de Palma, "uma tragédia sem sentido", que não deveria se repetir. O filme tomava como ponto de partida o rapto, seguido de abusos sexuais, de uma jovem vietnamita por um grupo de soldados americanos. Incidente parecido, real e recente, inspirou De Palma a voltar ao tema em "Redacted", que chega ao Brasil neste fim de semana. Rodado em vídeo de alta definição como parte de um projeto da HDnet Films, o filme usa diversas mídias audiovisuais - diários em vídeo, documentários, blogs pessoais, câmeras de vigilância, telejornais e videoconferências - para potencializar o horror de outro Vietnã, o do Iraque, ainda em curso. Com Redacted, o cinema do 11 de Setembro alcança um novo nível de persuasão.


"Estamos, nós, americanos, condenados a repetir a história? " - pergunta De Palma em entrevista ao Valor, durante o Festival de Veneza, de onde saiu com o prêmio de melhor direção. "O fato é que o que ocorre no Iraque chega aos Estados Unidos filtrado pela grande mídia, pelos infomerciais do governo Bush. Na época do Vietnã, eu encontrava em revistas estrangeiras relatos e fotos das coisas terríveis que aconteciam por lá, os vietnamitas massacrados, nossos soldados feridos, muitos deles trazidos de volta para os Estados Unidos dentro de sacos plásticos pretos. Isso não acontece em relação com a guerra do Iraque. Mas se você entrar na internet, ler os blogs dos soldados ou ver as fotos que são postadas lá, vai ter uma história completamente diferente. Espero que as imagens de 'Redacted', por mais violentas que sejam, sensibilizem o povo e os congressistas americanos e ajudem a parar essa guerra."


Autor de filmes em que o voyeurismo e a violência são peças-chave, como "Dublê de Corpo" (1984) e "Scarface" (1983), De Palma parece ter encontrado nas conseqüências da campanha americana no Iraque o tema de seus sonhos. "Redacted" tem como ponto de partida o crime, ocorrido em 2006 na cidade de Samarra, no qual um grupo de soldados americanos estuprou, matou e ateou fogo a uma iraquiana de 15 anos, depois de assassinar sua família. Dois dos envolvidos já foram sentenciados à pena de morte. O crime teve repercussão limitada fora do Iraque, mas comentários e imagens relacionadas a ele vazaram pela internet. O termo "redacted" é usado para se referir a textos ou imagens editados por conveniências legais ou econômicas. Logo na abertura do filme, as palavras do aviso de que a história é uma dramatização de fatos reais vão sendo encobertas uma a uma, tornando a mensagem incompreensível. Mas o recado está dado.


Desaconselhado, por motivos legais, a usar imagens reais, De Palma apelou para a ficção: recriou a selvageria no Iraque, alternando o ponto de vista do vídeo-diário feito por soldados, um documentário francês, reportagens de um telejornal local, registros de câmeras de vigilância, blogs de americanos e terroristas iraquianos. "Grande parte do filme deixa o espectador consciente do que está assistindo - uma dramatização da realidade", afirma o diretor. "O tempo todo ele diz para você: 'Atenção para os filtros', ou, 'Isso tudo é mentira, mas você vai acabar acreditando'. É um efeito muito brechtiniano, o filme prepara o público para um espetáculo e manipula suas emoções, mas também mantém a mente das pessoas trabalhando."


No filme, locações na Jordânia representam o Iraque em conflito. Todos os papéis são interpretados por atores anônimos ou com passagens por elencos secundários em seriados de TV. É a obra mais radical, barata e não-convencional de De Palma, que já se serviu de toda a parafernália do cinema americano em filmes como "Os Intocáveis" e "Missão Impossível".


"A parte mais difícil da realização de 'Redacted' foi andar pelos campos minados da legalidade. Para mim, a idéia de não poder usar as imagens reais do que aconteceu no Iraque era terrível, porque eu não poderia mostrar o sofrimento verdadeiro estampado no rosto daquelas pessoas", comenta De Palma. "Como os documentos oficiais estavam foram do meu alcance, fiz pesquisas para o roteiro na internet. O formato do filme foi ditado por essas pesquisas. O filme é uma tentativa de trazer para um público mais amplo a realidade da guerra do Iraque. Está tudo lá na internet, fotos, relatos, imagens, mas isso nunca chega aos outros meios de comunicação."


O diário eletrônico que funciona como eixo central de "Redacted" é feito por um recruta que sonha em estudar cinema. É a câmera dele que acaba por registrar o crime praticado em Samarra. A ficção de pretensão documental de De Palma encontra reforço nas chocantes fotos (reais) de iraquianos feridos, torturados ou mortos durante a guerra, exibidas no final do filme, que oferecem uma visão aterradora do cotidiano iraquiano. "Eu disse para o meu produtor: 'Corra atrás dos fotógrafos e consiga as fotos que eles não puderam publicar", conta De Palma.


"A gente pode dramatizar a realidade sem minimizar o poder que ela tem. Às vezes, a ficção é capaz de ser mais eficiente do que o documentário", acredita De Palma. Ironicamente, as fotos foram "censuradas": os seguradores do filme exigiram que os rostos das vítimas fossem cobertos por faixas pretas - medida preventiva contra eventuais processos que venham a ser movidos por parentes dos mortos.


A imagem de uma única foto permanece inteiramente descoberta, a do suposto corpo de Abeer Qasim Hamza, a jovem violentada e morta pelos soldados americanos. É uma versão produzida pelo fotógrafo nova-iorquino Taryn Simon. "É uma foto montada, mas sobre uma morte real", diz De Palma. "Aquela garota realmente morreu nessa guerra. Quando você filma a crucificação de Cristo, como você a representa? Não temos o verdadeiro Jesus, então você tem que recorrer a uma versão artística."


Talvez essa imagem final tenha o efeito de minimizar o impacto do "documentário" que a precede. Mas De Palma não vê nada demais em distorcer a realidade por uma causa maior: "Se eles (o governo americano) fizeram isso nos últimos seis anos, com o objetivo de continuar uma guerra amoral, não teria eu o direito de contar o outro lado da história, a de uma verdade maior?"

(da ValorOnLine - http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/euefimdesemana/cultura/Diario+tragico,08257,,47,5058204.html)

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